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A Casa De Campo

A droga mais pesada que tomei na vida foi uma passagem de avião para Londres. Permaneci alucinando durante anos que vivia de preto e branco e ainda usava uma gravata borboleta! Me sentia um pinguim deprimido... comia escondido pelos cantos, passava frio e necessidade mas, encontrei alguns amigos, bons amigos!!! Certa vez consegui desaparecer com uma bandeja de vinho do porto e eu sou doido por vinho do porto. Estava bebendo moqueado num canto de um suntuoso prédio do sistema de impostos Britânico quando uma mina simpática chamada Núbia sacou a fita e me intimou uma taça. Bebemos juntos e depois repetimos a cenas mais duas vezes e ainda arrastamos um outro amigo dela, o Lucas, um gaúcho muito apessoado, digamos. O Trampo foi etilicamente excelente!

Trabalhamos juntos mais algumas vezes e aos poucos fui fazendo mais amigos. Italianos, espanhóis, colombianos, portugueses [tugas], e uma porrada de poloneses, russos e brasileiros [brazukas] todos garçons e muitos eram, como eu, especialistas em roubo de bebidas. Trabalhávamos duro mas nos divertíamos também. Alguns amigos curtiam um beck e então era de lei na saída dos trampos queimar um com a turma. Fosse onde fosse: Buckingham, Trafalgar, Oxford... vivíamos o sonho da tolerância.

Porém, comecei a ouvir o buchicho sobre uma festa especial estava se aproximando e eu já tinha ouvido falar da fama das raves em London e queria muito conhecer uma e então pá: a Rúbia me chamou Vou te levar num lugar chamado Casa De Campo! e claro que eu topei.

No dia da festa eu tive que trampar então só depois tirei o uniforme surrado e parti pro tal endereço debaixo de um vento congelante e uma garoa muito chata. E era longe... muito longe!!! Então entendi por que o nome do local era Casa de Campo. Cheguei e rapidinho encontrei alguns amigos e como estava congelado fui procurar um destilado.

O bar da festa era no banheiro e havia milhões de cervejas e bebidas flutuando na água e no gelo dentro de uma banheira e uma galera de boa batendo papo. Comprei uma vodka por um preço bem camarada e fui pra área externa e fui conversar com a Núbia e o Lucas e uns outros amigos. Lucas estava devastadoramente lindo naquela noite. Fumamos um beck por ali quando o Rodrigo Demon [apelido por conta das tatoos e dos piercings] disse que iria experimentar algo mais forte. Núbia se empolgou e perguntou O que é? e ele nos levou pra uma panela que continha chá de cogumelos. Resolvi experimentar também mas tomei um gole bem tímido.

Conversávamos os assuntos mais loucos desde a zica do último trampo, a exploração que sofríamos até o disco do Prodigy, unânime no gosto da galera. Apesar do beck e da vodka, achei que o cogumelo não bateu e o Gigante, outro gaúcho, disse que tinha uma bala e novamente me apresentei para mais uma experiência. Em algum momento entre o bate papo e a bala fomos pra pista e além de tudo já tinha outra vodka e um redbull na mão. A batida eletrônica foi crescendo na pista e dentro de mim, invadindo mesmo e foi tomando conta de cada músculo que respondia num espasmo gostoso e era hipnotizantemente irresistível e o DJ parecia em transe, numa conexão total com cada um de nós. Não sei dizer quanto tempo ficamos dançando.

O Lucas estava do meu lado e havia tomado uma bala também e veio me perguntar se bateu. Respondi que achava que sim e como o som estava alto tínhamos que falar pertinho do ouvido. Então aconteceu um beijo delicioso, com sabor de redbull com pastilha de menta. Escutei a Núbia dizer algo do tipo ai, que lindo abraçando nós dois e retribuí o aperto gostoso e o Lucas começou a fazer um cafuné, meio massagem no meu couro cabeludo e aquilo espalhava ondas de puro prazer pelo meu corpo todo. Núbia me trouxe uma garrafa d´agua e disse Toma isso e vamos pegar um ar. Agora o ar gelado era uma carícia no meu rosto quente e a água um bálsamo dos deuses. O Lucas ficou no outro extremo do grupo conversando com uma menina russa em inglês. Senti meu nariz gelar mas tava achando divertido e conversei com várias pessoas ao mesmo tempo um papo sobre o período que o Caetano Veloso morou em London com pesto de manjericão e a liberação do cogumelo no UK e uma possível viagem nossa pra Amsterdam... tudo isso num único fluxo contínuo.

Nesse momento meu nariz havia congelado e entupido. Minha voz foi ficando fanha e continuei bebendo muita água. Mas me sentia bem. Então algo quente começou a escorrer do meu nariz e achei divertido. Senti o calor avançar sobre minha pele percorrendo milímetro a milímetro a curta distância entre a fossa nasal e os lábios. Foi impossível não passar a língua sobre o caldo que irradiava prazer e era escandalosamente salgado e quente. Eu já não conversava com ninguém e num impulso natural enfiei o dedo no nariz e senti aquela catota violenta em brasa na ponta dos meus dedos e por fim levei a boca e saboreei com volúpia sentindo aquele sabor intenso e proeminente se espalhar pela minha boca.

Foi então que percebi um silêncio anormal ao meu redor. Quando ergui a cabeça todos estavam mudos e me olhavam com espanto e certo asco. A Núbia foi a primeira que disse Cara cê tá muito louco. Uma vergonha monstra bateu e vi o Lucas se virar e sair. Todos voltaram pra pista e eu fui no banheiro. Na volta vi dois amigos encostados num canto do corredor dos quartos dormindo e resolvi sentar ali.

Acordei no dia seguinte quase ao meio dia e havia várias pessoas dormindo pelos cantos da casa. Sai sem fazer barulho em busca da estação de trem mais próxima. Nunca mais beijei o Lucas. Nunca mais esqueci a Casa De Campo.

Durante o trampo a Núbia me xingou, disse que fui nojento, que eu tava muito louco e prometeu Vou te levar numa Squat Party!

fábio.shakall.sp.sp.09.2015

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