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5 Traquinices: Nestor Fogaça – 3o. Colegial A

O mais gostoso em mudar do ginásio pro colegial foi a Turma, ou melhor o Turmão, como nos auto apelidamos. Meus pais não gostaram muito, pois de aluna exemplar no Gomide, eu virei a tal bagunceira, quando fui para o Nestor pra fazer o colegial. E o Turmão se formou aos poucos, conforme misturamos e fomos ganhando novos amigos. Agora no 3o ano já saimos juntos a noite, normalmente pro Tape do Clube, mas também nos aventuramos no Apple Night, no Texas e até no Amigo Véio.

Eu já fazia parte da turma do fundão e era craque no truco, junto com a minha parceira e melhor amiga Mônica Nobumi, que eu apelidei de Mônobu, mas como o apelido não pegou todo mundo chamava ela de Ninja mesmo por que ela era ninja em tudo o que fazia, no truco, no vôlei, em fisica [!!!]... em tudo, e sempre. Divertida, rápida e querida por todos. Nessa época ela dava uns beijos no Samir, irmão do meu namorado, o Miguel, ambos filhos de árabes.

Então tinha essa coisa super divertida de comer comida japonesa com árabe, mas o que a gente gostava mesmo era de pizza! Na turma tinha ainda a Lucila, o Toninho Caipora, o Arata Barata, a Paty Maionese e assim por diante... era o Turmão.

Mas tinha uma outra menina, japonesa também, que não era do turmão, a Yumiko. Ela era tímida e muito, muito fechada. Mestiça, filha de mãe brasileira e pai japonês, era inteligentíssima, só tirava A e sentava na cadeira de frente pra professora. Eu conheci ela no 1o. colegial mas mal dizíamos oi uma pra outra. Ela não conversava com ninguém mas eu com todos. Vinha de ônibus da Colônia Pinhal, o bairro japonês, como muitos outros amigos nossos... sei lá, toda classe tinha um aluno tímido, ou um japonês tímido, mas a Yumiko era demais!

Eu realmente parei para prestar atenção nela numa aula do Carvalho, nosso professor de Biologia que organizou uma excursão para o parque estadual Carlos Botelho, a reserva florestal, com todos os colegiais. Seriam dois ônibus e ficamos mega animados pra viagem. Na ocasião da distribuição das autorizações que deveriam ser assinadas por nossos pais, a Yumiko levantou-se e foi falar com o Carvalho. Não deu pra ouvir o que ela falou mas o Carvalho respondeu alto, pra classe toda, que todo mundo deveria ir, que seria como uma aula e valeria ponto na nota.

De cabeça baixa ela voltou e sentou-se. A aula foi indo, mas então começou um burburinho com as meninas da frente que em minutos chegou até o fundão: a Yumiko vai chorar! Curiosa como sempre fui, dei um jeito e fui até a janela na frente e na volta vi os olhos dela vermelhos e ela toda vermelha. Parecia uma mistura de raiva e nervoso. Percebendo a situação.o professor chamou ela pra fora da classe pra conversar e ficou aquele silêncio. Depois ele voltou e continuou a correção dos exercícios. Yumiko voltou uns 10 minutos depois de cara lavada e mais tranquila.

Naquela tarde, comentando o ocorrido, o Miguel contou que conhecia o pai da Yumiko por que as vezes quando fechava a loja de tecidos da família onde trabalhava, via o pai da Yumiko bebendo no bar da frente e frequentemente era visto com a putaiada. Ouvi com certa curiosidade, afinal nunca soubesse que tinha putas de verdade na cidade. Então fiquei pensando na situação dessa menina. Conversando com a Ninja soube que, além de tudo, a mãe da Yumiko apanhava e ela também. Foi um susto!!!

No intervalo do dia seguinte dei um jeito e sentei do lado dela na grama onde ela sempre comia o lanche que trazia de casa embrulhado em saquinho de supermercado. Perguntei se ela não ia pra reserva com a gente e ela disse que não. Não resisti e perguntei o porquê. E ela respondeu, comendo as palavras, que o pai não deixava.

No dia da excursão só eu percebi que a Yumiko não veio. Ninguém comentou nada.

No mês seguinte o professor de Português, o Zé Renato, pediu um trabalho sobre O Cortiço que quase morremos pra fazer, e por mais incrível que pareça a Yumiko não fez! Tímida do jeito que era foi até a mesa conversar com o professor. De novo, não deu pra ouvir o que ela falou mas entendi que ele não aceitaria o trabalho depois. Da mesma forma, ela voltou de cabeça baixa e sentou. Ficou um clima na sala e então ela chorou. De cabeça baixa sempre, baixinho, escutamos os soluços da menina.

Aí a Ninja me passou um bilhete que o pai dela tinha abandonado a casa pra viver com outra mulher. Então eu levantei e fui até o Zé e pedi meu trabalho de volta. Ninguém entendeu. Quando o Zé perguntou a razão eu disse que se ele não aceitasse o da Yumiko eu não entregaria o meu. No mesmo momento a Ninja veio pedir o dela também. Os meninos do Turmão se manifestaram pedindo os trabalhos de volta e começou uma baita discussão. O Zé justificava que a data já tinha sido marcada. O resto da classe ficou com aquela cara de barata tonta.

Por fim o Zé cedeu, dizendo que só aceitaria o trabalho da Yumiko na semana seguinte. Comemoramos aos berros. Era um sabor de vitória de todos, mas o Zé nunca entendeu por que fizemos aquilo.

Depois disso a Yumiko ficou super bem. A mãe dela se divorciou. Ela continuou tímida, mas sem a sombra do pai em sua vida, parece que algo floresceu, despertou um certo sorriso. Eu e a Ninja ficamos um pouco mais amigas dela, até que no fim do ano seguinte ela passou em Letras na Usp e foi morar em São Paulo. De vez em quando ela aparece e sempre relembramos as bagunças do Turmão. Mas o que dá mais gosto é seu sorriso largo e constante quando reconhece que ainda temos um laço, um pacto que é só nosso.

[Fábio Shakall, Setembro 2014, SP/BR]

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