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5 Traquinices: Nestor Fogaça – 1o. Colegial B


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É estranho ouvir, depois de anos, uma notícia sobre alguém que particularmente marcou. Alguns anos atrás, meu primo do interior me contou que uma dessas figuras que cruzam a vida da gente reapareceu lá na cidade onde nasci. E ouvindo uma descrição não muito positiva, fiquei remoendo sobre o que teria acontecido com aquele adolescente brilhante e cheio de vida, para depois ser descrito como velho e acabado.

Conheci o Gustavo no 1o. Colegial quando os alunos do Gomide são obrigatoriamente transferidos pro Nestor e as turmas se juntam. As meninas chamavam ele de Gu mesmo mas os meninos deram um outro apelido: Bacaxi, por ele ser todo espinhento. E não se importava e até assinava BaKxi, e assim o BaKxi veio parar na minha classe, vindo do Gomide. Eu sempre estudei no Nestor.

Logo percebi que ele era diferente, sempre alegre e falante. Aliás, falava! Pelos cotovelos, e com todo mundo. Funcionários, professores, meninos, meninas, todos mesmo, de todas as séries. Comigo puxou papo perguntando se a gola do meu casaco era de pele de carneiro mesmo. Minha mãe provavelmente comprou em uma liquidação qualquer. Nunca me importei com roupa e vestia o que ela, ou as tias me davam. Nem imaginava se a gola era de lã ou não. O resto eu sabia que era de veludo. Depois disso, sempre me cumprimentava e puxava papo e aos poucos nos aproximamos. Na verdade, o Bacaxi era muito amigo das meninas e algumas flertavam comigo... creio que eu era bonitão... as declarações nas capas dos cadernos eram constantes, além das cartas que recebia...

Na ocasião de uma prova de matemática o Bacaxi veio me pedir ajuda. Eu era muito bom e ele péssimo. Com algumas explicações refizemos uns exercícios e ele recuperou a nota ruim do bimestre passado. Aí ficamos bem amigos! Depois começamos a nos reunir com a turma, ou na praça ou na casa de alguém. Era um tal de não fazer nada a semana inteira, mas vivíamos rindo. A melhor amiga do Bacaxi era a Cristiane, que logo virou minha amigona também. A primeira vez que eu sai a noite para ir num tape no Clube foi com eles e todos ficamos altinhos por conta de 2 doses de San Remy [dividas em 4, porque o Caolho colou junto].

A amizade cresceu muito. Naquele ponto que a turma era mais importante que a família. Um grude o tempo todo. Qualquer coisa era pretexto pra comer bauru na padaria do Japônes, ou cachorro quente da esquina do Banespa, ou pipoca e tubaína a tarde. Lembro que o Bacaxi tinha um problema com grana, quase nunca podia. Eu mesmo emprestei ou paguei pra ele várias vezes. A Cris também. A família dele era muito simples e numerosa, pois tinha 4 irmãos e uma irmã.

Mas teve um domingo que eu e a Cris estávamos sozinhos, sentados na esquina das ruínas do cinema esperando a turma e ela me contou como gostava do Bacaxi, que ele era como um irmão, que eles seriam amigos pra sempre e tals... não entendi direito aquele papo, afinal eu também gostava dele, mas a Cris tava exagerando mesmo, até que ela disse “Ele gosta de você”. Respondi que também gostava dele e ela então disse: Não, ele é apaixonado por você.

Confesso que senti um susto e ela continuou falando como ele era especial pra ela. Mas a partir disso nem prestei atenção no que ela dizia. Logo chegaram a Tatiana e a Dani, depois o Bacaxi e o Caolho, e por fim os irmãos Flávio e Maurício. Não consegui ficar ali e inventei alguma coisa sobre meu pai e fui pra casa tentando imaginar como outro cara podia se apaixonar por mim. Em casa fiquei quieto, vendo TV... Sílvio Santos e depois filme.

No dia seguinte, continuei ressabiado mas o Bacaxi me cumprimentou num tom sério demais. Na saída para o intervalo, descendo a escada, ele pediu pra conversar comigo depois da aula do João Gote. Eu concordei e no final daquela tarde esperei ele na arquibancada de concreto da quadra. Ele chegou de cabeça baixa. Acho que eu tava meio de canto e ele começou a falar. Disse que precisava me contar uma coisa, mas que eu não precisava fazer nada, que só queria me contar. Continuou num tom de voz meio baixo que ás vezes sumia e eu nem conseguia entender. Falou que era meu amigo e jamais iria estragar a nossa amizade que pra ele estava acima de tudo. Então disse que gostava de mim há muito tempo. E repetiu que só queria contar, que eu não precisava fazer nada. Mas para dizer isso, percebi que fazia um grande esforço, que procurava palavra por palavra, letra por letra, para que saísse alguma coisa antiga que era tortura também... estava angustiado e eu podia ver porque já sabia do seu amor secreto por mim.

Logo que ele disse, senti alívio e creio que ele sentiu o mesmo. Respondi que entendia, que ele era meu brother e num impulso abracei o Gu, apertado mesmo e disse que a nossa amizade jamais mudaria. Eu precisava abraçar o meu amigo naquele momento. Depois, tudo voltou ao normal: a turma, os lanches, o tape no Clube. Até que num final de semana o Bacaxi não saiu. E na segunda-feira também não apareceu. A Cris foi na casa dele e o irmão dele disse que ele tinha ido morar com uma tia em Osasco. Algum tempo depois a Cris voltou pra pedir um número de telefone ou endereço, mas outro irmão dessa vez inventou uma desculpa qualquer. Nunca mais ninguém viu ou teve notícias do Bacaxi.

Muitos anos depois, aconteceu de um irmão dele vir fumar um baseado comigo e num momento perguntei de sopetão “E o teu irmão, o Gustavo?” e me passando o pega, ele respondeu “Ah, cê tá ligado... ele é viado!”. Dei outro pega e me calei.

Ficaram no ar, os quandos, os comos, os ondes e principalmente os porquês. Então, depois que eu fui fazer facul, meu primo me contou que o Bacaxi reapareceu num sabádo qualquer, que era cabeleireiro em Diadema e que tomou sozinho um porre de conhaque Presidente no balcão do Amigo Véio.

Nunca mais vi meu amigo, nem sei o que ele passou, o que aconteceu. Na verdade, não entendo esta história.


[Fábio Shakall, Agosto 2014, SP/BR]

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